segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Texto : Se eu fosse outra - Danuza Leão

Que as mulheres adoram inventar moda todo mundo sabe. O que nem todos percebem é a nossa imensa capacidade de nos reinventarmos. Afinal, o que é isso? Em primeiro lugar, parar de dizer: “Eu sou assim e pronto”. Pois as mulheres não param jamais de se aprontar. Mas, para arriscar tantas transformações, precisamos de inspiração. O que, claro, não nos falta. Um filme nos faz querer ser igual à atriz – sexy, passionária, criadora; um livro nos leva a pensar que o amor é a coisa mais importante do mundo; outro, exatamente o oposto: que o ser humano deve almejar a liberdade, correr o mundo atrás de emocionantes aventuras, para isso nascemos. Seja qual for o caminho seguido, um dia você vai acordar pensando em como seria sua vida se tivesse feito tudo ao contrário.



Para mim, numa tarde chuvosa, é tentador imaginar se eu teria sido mais feliz se tivesse feito uma faculdade, casado com um milionário ou aberto um restaurante japonês. Só que nunca vou ter a resposta, e é nessa hora que vem a vontade de me reinventar. Quando isso acontecer com você, antes de colocar seu apartamento à venda, faça uma boa arrumação na casa. Fora com todos aqueles potinhos de creme jamais abertos, os hidratantes comprados na penúltima reinvenção, os nécessaires ganhos das companhias de aviação – escova, pasta, máscara e uma calçadeira que jamais será usada. Depois, à cozinha. Adeus às panelas enormes do tempo de outra reinvenção, quando achou que ia dar muitos jantares e até andou tomando aulas de culinária. Os montes de pratos, o faqueiro para 24 pessoas, os copos para uísque, as taças de vinho, as flûtes de champanhe e os modelos especiais, comprados em Nova York, para dry martini (só dois), todos serão embalados para dar aos filhos – se eles quiserem, o que, aliás, não é garantido. E aí finalmente passamos ao mais difícil: as roupas e os acessórios. Cada um é símbolo de uma fase: dos mocassins de couro natural às sandálias de strass salto 10; de um chanel básico a um vestido bordado decotadíssimo, cada peça corresponde a uma de suas personas.


Acabo ficando com tudo (e o armário crescendo). Mas qual mulher de juízo se desfaz das peças que foram testemunhas de seus momentos marcantes? E se a moda voltar? Não, dos vestidos não me desfaço por nada. Então, no lugar de ficar eternamente tentando se encontrar, seja feliz sabendo que dentro de você existem todas as mulheres do mundo. Não é melhor do que ser uma só? Na vida, sempre surgem oportunidades de mudança, e aí temos de fazer algumas escolhas. Como se diz no Sul, quando o cavalo passar na sua porta, é preciso montá-lo para nunca pensar que teve a chance mas não viu porque estava distraída. Ficamos como estamos ou tentamos mais uma vez virar tudo pelo avesso? Esse é o problema, mas quem nasce com um coração aventureiro pode trocar de casa, de marido, de cidade, de país sem nunca encontrar a tal da paz. E vai passar a vida inventando e se reinventando, o que também é uma maneira de viver bem interessante
 
 
 
Danuza Leão
 
 
 



DUAS BOLAS, POR FAVOR - por Danuza Leão







Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir sorvete de sobremesa,contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçom colocar na minha frente uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido.


Uma só.


Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa.


Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.






O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano.


A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade.


A gente sai pra jantar, mas come pouco.


Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.


conquista a chamada liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das mulheres continua com pavor de ser rotulada de 'fácil').






Adora tomar um banho demorado, mas se contém pra não desperdiçar os recursos do planeta./






Tem vontade de ficar em casa vendo um dvd, esparramada no sofá, mas se obriga a ir malhar./






E por aí vai.






Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar', tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação...


Aí a vida vai ficando sem tempero, politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando melancolicamente sem tesão...






Às vezes dá vontade de fazer tudo “errado”.


Deixar de lado a régua, o compasso, a bússola, a balança e os 10 mandamentos.


Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito.


Recusar prazeres incompletos e meias porções.






Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete, bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado.






Um dia a gente cria juízo.


Um dia...


Não tem que ser agora.






Por isso, garçom, por favor, me traga: cinco bolas de sorvete de chocolate...


Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago.




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